terça-feira, 2 de novembro de 2010


METADE

OSWALDO MONTENEGRO


Que a força do medo que tenho

Não me impeça de ver o que anseio
Que a morte de tudo em que acredito

Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito

Mas a outra metade é silêncio.
Que a música que ouço ao longe

Seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada

Mesmo que distante

Porque metade de mim é partida

Mas a outra metade é saudade.
Que as palavras que eu falo

Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas

Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Porque metade de mim é o que ouço

Mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora

Se transforme na calma e na paz que eu mereço

Que essa tensão que me corrói por dentro

Seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que eu penso

mas a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste,

e que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso

Que eu me lembro ter dado na infância

Por que metade de mim é a lembrança do que fui

A outra metade eu não sei.
Que não seja preciso mais do que uma simples alegria

Pra me fazer aquietar o espírito

E que o teu silêncio me fale cada vez mais

Porque metade de mim é abrigo

Mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta

Mesmo que ela não saiba

E que ninguém a tente complicar

Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Porque metade de mim é platéia

E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada

Porque metade de mim é amor

E a outra metade também.

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